Publicado em Diário da Escritora, Escrita Criativa

Coisas que dizem a uma Escritora

Olá,

O artigo hoje será o primeiro dentro desse tema, onde eu irei comentar aqui sobre as coisas que me dizem quando eu falo que sou escritora. Desde dúvidas, à elogios mirabolantes de quem tem ideia do que esse ofício seja, mas não sabem de fato o que é.

Vamos lá.

“A minha história daria um livro”

Eu já até sei que essa é uma das possíveis respostas para quando eu falo abertamente que sou escritora. No começo eu sorria e acanhada não tinha resposta. Hoje eu já digo sem meias verdades que não é como estão pensando e tomo o trabalho de explicar o que é ficção e realidade.

Sem muitos floreios, ficção é algo que vem da nossa imaginação, não é real. Mesmo que os eventos da história se desenrolem em lugares que existem. É nesse ponto que a definição faz um nó na cabeça daqueles que escutam falar sobre escritores, mas nunca tiveram um na família.

Não é como se fôssemos escrever sobre a vida das pessoas que conhecemos. Não é como se eu fosse relatar os eventos que ocorreram no seio da minha família. Não é uma exposição fidedigna das pessoas ao meu redor.

Eu escrevo ficção, mas mergulho aqui e acolá no mar da realidade. Meus personagens andam de ônibus pela Doca de Souza Franco, vão à praia do Atalaia, moram em icoaraci, caminham no Shopping e vão correr no Parque do Utinga. Lugares reais não significam que a minha história é real.

Entendido isso, vem a parte do motivo pelo qual as pessoas dizem isso com frequência. Primeiro, porque a maioria das pessoas tem uma ideia de escritor bem diferente da visão de quem trabalha com o mundo literário. Acho que as pessoas pensam que somos biógrafos da realidade.

Eu parto do princípio de que todos somos os protagonistas de nossas próprias histórias. E que não há história que não valha a pena ser contada. No entanto, a vida real nos concede um enredo que muitas vezes pode não parecer tão empolgante. Cabe a um hábil escritor trazer tempero para a rotina “sem graça” que muitos de nós vivemos.

Histórias que prendem o leitor são cheias de reviravoltas, não há nada banal nelas, tudo tem um sentido, uma razão de ser. Na vida real não é sempre assim. Por isso, eu digo para as pessoas que querem que eu escreva sua história de vida, que eu não sou biógrafa, mas escritora de ficção.

            Existe uma frase que sempre é usada em livros e novelas “Essa é uma obra de ficção. Os personagens e os fatos narrados são de inteira responsabilidade de seus criadores”. Veja, não é uma narração de eventos reais, mas de casos fictícios, que podem soar como algo que você já viu em algum lugar.

            A verdade é que ninguém está copiando a vida de alguém, também não estamos inventando coisas sem sentido. Se alguém, ao ler minha história, achar que os fatos são reais. Eu fiz meu trabalho muito bem, a ficção e a realidade se esbarraram causando alvoroço na mente do leitor. Foi o que houve com os leitores do meu livro A Praia do Farol Velho, as pessoas sempre comentavam que parecia que era real o que estavam lendo.

            Tudo porque os locais onde se passam os eventos da história são reais. Lugares que todos conhecem aqui no Pará. Então, é obvio que os leitores vão pensar que há um pingo de veracidade nisso, sendo que nada nunca passou de imaginação.

            Usar elementos da realidade dá uma sensação de familiaridade ao leitor. Imagine ler uma história que se passa na sua cidade? Ou em um lugar onde você já entrou? Isso torna a experiência ainda mais especial e significativa. Por exemplo, a história que eu escrevi A Praia do Farol Velho se passava numa praia de verdade que fica na cidade de Salinópolis.

Eu escrevi sem ter ido lá. Somente através de pesquisas na web, no google mapas e com relatos de terceiros. Porém, antes de publicar, eu tive a oportunidade de visitar a cidade, conhecer uma praia vizinha à que foi palco da minha história. Apesar de não ter conseguido pisar com meus pés nas areias da dita cuja, devido o tempo que era curto, eu a vi de longe. Tive a experiência de estar na cidade onde meus personagens moram. Sentir o cheiro salgado do mar, o calor e o vento forte sobre os meus cabelos.

Isso tudo foi parar no livro.

Veja, a realidade ajuda a compor o mundo fictício. É material de base para muitas coisas na vida de uma escritora de ficção. Porém, nós pincelamos o quadro da nossa imaginação com as cores da vida real. Por exemplo, eu tenho minhas manias.

Todos meus personagens têm nomes de pessoas que realmente existem. Eu tenho várias histórias – a maioria ainda não publicada, mas em breve serão! 😛 – cujos personagens principais têm o nome de familiares meus de terceira geração para trás.

minha mesa é bagunçada desse jeito

Eu vejo isso como uma forma de homenageá-los. Eternizá-los nos livros. Alguns personagens possuem características que lembram pessoas que eu admiro e amo. É nesse ponto que eu quero chegar, a questão não é relatar nos mínimos detalhes a vida de alguém, mas é saber enxergar a dinâmica da narrativa de vida dessa pessoa.

Por exemplo, eu sou uma membra ativa da igreja, então, eu sempre escuto várias histórias ou testemunhos. Essas pessoas “regeneradas” geralmente possuem um histórico bem dramático e sofrido. Recentemente, eu tive uma experiência muito angustiante ouvindo um desses relatos. Era uma história de violência familiar que foi dita sem filtros pela vítima resgatada pela fé.

A história é tão pesada que não tem como eu contar nem metade do que a pessoa falou. Eu juro que me senti muito mal ouvindo aquilo. Não é que a história dessa pessoa não seja importante, ou seu relato irrelevante para o entendimento das raízes da violência dentro do ambiente familiar.

Só que um hábil escritor saberá filtrar palavras, pincelar traços mais vivos no rascunho, muitas vezes grosseiro, das nossas histórias. Não digo que sou boa nisso de todo, mas aprendi a tomar nota das coisas que acho mais importantes de cada pessoa que eu conheço na minha vida.

Eu fazia isso com a minha vó. Todas as vezes que conversávamos eu tomava notas do jeito como ela falava, dos seus ditados e até palavrões. Hoje ela não está mais aqui, porém, muitas das coisas que ela me falou eu tenho anotado e algumas até dentro de obras minhas. Todas as vezes que eu leio eu lembro dela.

Fiz meu trabalho. Eternizei uma fala de alguém real e especial para mim nas páginas brancas de um livro. Por isso, como uma boa escritora que sou quero ouvir seus relatos.

Me conte algo que aconteceu com você e que você acha que parece coisa de livro. Que merece que seja contado para outras pessoas. Eu irei transformar isso num microconto dentro da temática “Minha história daria um livro”. Vou mesclar a realidade com a ficção e divulgar no instagram anonimamente. Vou mudar os nomes e lugares, não se preocupe.

Então, se você deseja tanto que sua história se torne algo literário pelas mãos da escritora que vos fala, mande o relato por e-mail estantedaautora@gmail.com. Ou por Dm no instagram @estantedaautora. Pode ser um relato grande ou pequeno. Não tem problema. Mas saiba que se você enviar, eu não irei divulgar seu nome, nem nada pessoal. O propósito é apenas trabalhar com a imaginação.

Estou aguardando os relatos de vocês.

Beijos,

Até mais!